ROBÉRIO BRAGA – Manaus: amor e sofrimento (1)

Robério Braga

Não é de agora o pequeno livro que fiz publicar sob esse título – “Manaus, Amor & Sofrimento” posto que dado a lume em 1991, mas a realidade que provocou perdas e dores naqueles anos e levou à edição da obra como denúncia e como saudade ainda se faz presente, e cada vez de forma mais avassaladora, sendo de bom-tom, portanto, reascendê-las na memória de quantos se dedicam a nossa cidade nos dias correntes como um novo grito de alerta.

No livro eu confessei e reafirmo agora meu extremado amor pela cidade em que nasci e na qual construí amigos e família, vivi e vivo experiências incríveis, mas não posso deixar de observar as suas agonias e, por amor, sofrer com suas mazelas.

Tudo segue mudando, e, não raro, para pior, e sempre sob a justificativa da modernidade, do progresso e para ser apresentada como metrópole. Ruas mudam de nome, praças são extintas, o Centro Antigo agoniza com o abandono atroz e se transforma em cenário de crimes que parecem começar a se tornar consequência natural do crescimento da cidade e a não mais incomodar.

As antigas fruteiras frondosas que sombreavam as avenidas, desapareceram. Não se vê mais manga, taperebá, pupunha, tucumã, pitomba, abiu ou jaca nos quintais que ainda restaram em algumas casas de residência. A Ciriguela que beijava a aba do restaurante Chapéu de Palha parece que se transformou em bomba de gasolina e a obra inigualável de mestre Severiano Porto e sonho de José Braga, também cedeu à sanha demolidora que arrasta faz anos.

O que fizeram do Dedal de Damas e do Ingá-chichica da Praça da Matriz, da Fruta do Cachorro da Praça da Saudade e da Palmeira Real que havia na Av. Joaquim Nabuco com a Rua Tarumã? Ainda bem que não destruíram os fícus italianos da sede do Nacional, na Rua São Luiz nem o que ajudei a plantar na área interna do Palácio Rio Negro faz mais de 40 anos.

O guaraná não é mais aquele de tanta tradição. De uns tempos para cá, até a tapioca ganhou outras misturas e sabores, o tucumã passou a ser servido de forma diferente e embrulhado em pão, ovo e queijo, e há quem diga que, desta forma, se transforma em grande manjar. A pupunha – saborosa e pura em vitaminas – ganhou ares de sofisticação e muitas vezes é servida em pequenas rodelas preenchidas com cremes que, mesmo indevidos, felizmente não retiram de todo o gosto original, mas finge dar-lhe ar de nobreza maior. O pirarucu, coitado, quase sempre vem ao molho de camarão ou com alcaparras, sofrendo a angústia de perder seu gosto original além de ser obrigado a conviver com esquisitices de “chefes da moda”.

O casario elegante que ornava as ruas, avenidas e praças vai dando lugar a altos espigões envidraçados – alguns que deixam a desejar – reduzindo a luz natural e impondo mais calor sobre o solo de piso asfáltico, porque as pedras portuguesas e as de jacaré que contribuíam para um clima mais ameno foram abandonadas e recobertas.

De tudo que foi mudando – e muito e muito tem mudado e pelo visto vai continuar em mudança – também perdemos a convivência nos clubes sociais, nos balneários de famílias amigas e de associados, as sessões de cinema para as quais marcávamos encontro com os amigos, o passeio para compras na Avenida Eduardo Ribeiro aos sábados pela manhã, os jogos de futebol na luta renhida entre Rio Negro, Nacional, Fast, São Raimundo e Sul América, o compadrio das fogueiras de São João e as cadeiras nas calçadas para as conversas de fim de tarde.

Fomos sendo enfurnados em condomínios muita vez sem nem conhecer o vizinho de porta, enquanto a cidade se espraia cada vez mais no rumo do não sei… e fica menos nossa porque com ela vamos perdendo a identidade de que tanto nos orgulhávamos.         

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