ROBÉRIO BRAGA – Duas partidas

 

Robério Braga

Ressentem-se os amazonenses da partida de duas figuras exponenciais a que estávamos acostumados em nosso cotidiano: Mário Expedito Neves Guerreiro e Márcio Bentes de Souza.

Tenho presente que tanto Genesino Braga, Aristophano Antony, Josué Claudio de Souza e Ildefonso Pinheiro, não deixavam de assentar na imprensa as homenagens a quem, transpondo “os umbrais da eternidade”, como se costumava dizer anos passados, deixava rico legado de realizações para a coletividade. Não importava o campo de trabalho em que o homenageado havia concentrado maiores esforços, bastava haver o reconhecimento comum de grande parte da população e de lideranças expressivas, para que eles publicassem o que se chamava necrológio.

Sem exageros, muito menos favores, prestavam o reconhecimento que inúmeros manauenses desejariam prestar se tivessem acesso aos meios de comunicação, fosse a imprensa como as emissoras de rádio. E são dessas mensagens que, muitas vezes, os biógrafos atuais vão se valer para estudos acadêmicos, publicação de crônicas, relembranças da vida da cidade e alguns dos acontecimentos mais marcantes de uma ou de várias gerações.

Acabamos de sentir o abalo do encantamento de Mário Guerreiro, com 103 anos, figura que se destacou desde a juventude quando compôs o grupo de pracinhas amazonenses que combateu na Itália na Segunda Grande Guerra Mundial e, mais tarde, em inúmeros empreendimentos que contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento do Estado, para a organização das classes empresariais, para a educação e a formação de homens e mulheres conscientes do papel a desempenhar na sociedade. Homem reto, sereno, educado, respeitoso, elegante no tratar e se apresentar, deixa um especial legado de honradez e trabalho.

E este vem em seguida ao rompimento das cortinas que Márcio Souza atravessou, quando o palco do azul nem parecia estar preparado para recebê-lo, pois havia muito para que ele fizesse – embora tanto tenha feito – em diversos campos das atividades a que se dedicava, seja o teatro, a literatura, a ação política, a pregação que procurava despertar o interesse dos mais jovens pelas coisas do espírito, ainda que com sentido crítico sempre muito aguçada que costumava  incomodar aos que não conseguiam conviver com a democracia e as liberdades.

Em Mário havia a completude dos anos, se assim podemos dizer, pela idade pouco comum a que costumam chegar os homens e mulheres de sua geração. Em Marcio, havia ainda a inquietação para vencer os anos. Em ambos, histórias de vida que merecem permanecer presentes como exemplos relevantes para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Cada um teceu esse trabalho com as armas de que dispunha, ambos se valendo da inteligência, audácia e perspicácia, firmes nas trincheiras que escolheram e avançando em campos minados, enfrentando focos de resistência, superando obstáculos, abrindo trilhas para os que viessem chegando com a mesma disposição e coragem.

Há lugar de destaque especial no livro da história social e econômica da Amazônia para realçar a singular contribuição de Mário Guerreiro, como há lugar de destaque especial no livro da luta política e da produção intelectual para destacar a passagem de Márcio Souza.

*O autor é advogado, membro da Academia Amazonense de Letras, ex-secretário de Cultura do Amazonas

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