ROBÉRIO BRAGA – O magnetismo no teatro
Corria o ano de 1879 e a capital da província do Amazonas, animada em noites com ruas e praças nem tão iluminadas, recebia no Teatro da Beneficente Portuguesa um grupo de artistas que resolveu desafiar a boa-fé e a crença dos manauenses para os conceitos da época, apresentando espetáculo anunciado como as “Maravilhas Magnéticas”, pela primeira vez em Manaus, com o Rei do Magnetismo que faria única apresentação, depois prolongada em razão da aceitação do público.
O anúncio de jornal detalhava como se passaria o espetáculo, naturalmente para chamar a atenção para esse tipo de entretenimento: “prodígios magnéticos, admiráveis que em tempos mais remotos foram tomados por arte diabólica, mas que hoje está reconhecida pela humanidade como uma ciência, e que descobrem vários segredos da natureza”.
Tratava-se de apresentação do professor Dom Francisco Garcia, acompanhado do sonâmbulo Pedro de Brito, que apresentava todos “os extraordinários fenômenos do magnetismo animal, hoje muito conhecido e divulgado”.
O trabalho se dava em duas partes: “magnetização à distância e insensibilidade. Neste caso, o professor usava um alfinete de aço de quatro polegadas e aplicava no braço de qualquer pessoa sem provocar incômodo para o magnetizado. Com aumento de força, catalepsia geral e parcial, perda de olfato e transmissão de pensamento”.
Em outro quadro, chamado “Morte Aparente”, o magnetizador fazia parar a circulação do sangue, e era seguido de uma “banca magnética”, com “experiência fisionômica com pessoas no estado acordado, inclusive comunicação do olfato por meio de fluido magnético”, terminando cenas hilárias com a “dança sobre os ovos”.
Além disso, o grupo artístico-dramático-científico apresentou a “Mágica Branca”, com uma “garrafa infernal mineral”, “vaso mágico”, “duelo por meio de dois magnetizados”, a “barrica mágica”, encerrando com “uma viagem ao rio e uma a cavalo”.
Os ingressos eram caros para os preços da época, vendidos no hotel da trupe ou na porta do Teatro, distribuídos em camarotes de primeira e segunda ordem, plateia e ingressos para crianças, iniciando, como de costume, às 20.30 horas.
Talvez seja possível considerar que esse “magnetismo” apresentado em Manaus, o “magnetismo animal”, seria o mesmerismo, que se tornou comum como tratamento médico e foi relacionado com o Espiritismo. Teve instituições próprias, foi reconhecido pelo Imperador D. Pedro II, usado por médicos e culminou com a Sociedade de Propaganda do Magnetismo e o Juri Magnético.
Não foram muitas as apresentações de tais práticas, bem referidas por Michele Veronese em importante artigo acadêmico no qual ela refere terem surgidos no Brasil em 1852, em Salvador, Rio de Janeiro e São Luiz. Em Manaus, deram-se na quinta-feira, 10 de julho de 1879, anunciados no jornal Amazonas, desde o dia 6. Terão sido estes os fenômenos que despertaram a atenção de Allan Kardec em 1823, em Paris.
Anos depois, foi tratado na imprensa manauense no embate de Raymundo Palhano com o professor Richet, em 1915 com notícia de O. Montero praticando no Rio de Janeiro, em 1957, com ampla notícia do que se passara em França, em 1774, e em 1984 em artigo de Manoel Bastos Lyra.
Não se sabe ao certo, se as demonstrações de “magnetismo animal” de 1879 tiveram prosseguimento em Manaus, nem desdobramento imediato em prática comum, mas deve ter impressionado o público que ocupou o Teatro Beneficente em confronto com a realidade que era de forte influência e religiosidade católica.