CARLOS SANTIAGO – Uma vida sem filhos e sem glória de um homem feliz

 

Carlos Santiago

Quando descobriu a finitude da vida, ficou em pânico. Não aceitava. Com o passar dos dias e dos anos observava que os avós morreriam, as árvores, os pássaros e os amigos também nasciam, cresciam e deixavam de viver. Como ser uma pessoa eterna no mundo de vidas finitas? perguntava o jovem Aquiles. Só depois de muitos anos de existência é que ele vai entender que nessa busca de pessoas pelo eterno, o planeta se torna uma grande arena de dor e ódio.

Aquiles agora está velhinho. Não procriou, não dava importância para construir uma geração de descendentes para se afirmar como um ser especial e eternizar seus traços em filhos, netos e bisnetos. Alguns de seus amigos de infância tiveram grandes famílias. Até acompanhou a dedicação deles para proporcionar moradia, comida, educação e trabalho aos filhos e aos netos. Não raro, além das semelhanças físicas, os descendentes recebiam os nomes dos pais, eram chamados de fulano filho ou de sicrano júnior.

Chegavam até a trapacear para que a prole alcançasse sucesso profissional, fama e dinheiro. Quantas vezes Aquiles presenciou mudança de rota, virada de mesa e bajulação dos pais para ajudar os seus. Com o tempo perceberam que aquilo tinha tudo a ver com a manutenção da espécie humana do que a eternização como pessoas. E, depois de gerações, nada seria lembrado, como os atuais viventes que nem se importam com o passado.

Existiram outros colegas que resolveram buscar a eternidade na glória, no reconhecimento da história e no heroísmo. A participação em guerras levou a mortes prematuras. Em nome da glória patriótica, torturaram, mataram e morreram. Glória e mortes, no passado e no presente, andam juntas. A demonstração de honra de alguns, é a eliminação de outros. A conquista da guerra é o flagelo de muitos. E vida continua finita.

Os destaques desportivos para superar os limites físicos do corpo ou vencer o adversário com nocautes, trouxeram fama e reconhecimento, não obstante a vida competitiva também passou. Pela fama e glória muitos deixaram de aproveitar a vida e seus encantos únicos. Usufruir pouco da vida e das suas mais diversas formas de viver ou a busca incessante por medalhas e troféus? Independentemente da resposta, nada disso vai superar o fim da vida. Isso tudo era pura reflexão do ancião Aquiles.

Ele estava com quase 90 anos e ainda cuidava das suas mangueiras, aproveitava todo dia o rio onde tomava banho antes de dormir e depois do sonho noturno. Sem filhos, resolveu cuidar das árvores e dos animais sem abrigos. Não quis saber de guerra e nem de superar os seus limites físicos. Vive uma vida sem glória, sem troféus. Para ele basta a sua existência para ser feliz.

Admira no seu terreno o nascimento das plantas, a queda das folhas que tornam aquele local mais fértil para o nascer de novas vidas. Já entendeu que a sua existência e morte já são eternas, como restos materiais ou simplesmente uma poeira, em um universo que se expande ao infinito.

*O autor é Sociólogo, Cientista Político e Advogado.

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