A riqueza que corre nos rios do Amazonas e quem realmente lucra com ela
A riqueza que corre nos rios do Amazonas carrega um paradoxo profundo. O Estado, que é essencialmente aquático, abriga uma das maiores diversidades de peixes do mundo e uma população ribeirinha que depende diretamente dessa abundância. No entanto, a cadeia produtiva da pesca revela desigualdades: enquanto milhares de pescadores vivem com baixa renda, frigoríficos e atravessadores concentram os lucros e o poder econômico.

De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal do Amazonas (IDAM), existem mais de 45 mil pescadores profissionais no estado, e cerca de 200 mil pessoas envolvidas de forma indireta na cadeia da pesca. Apesar da importância social dessa atividade, a maioria dos trabalhadores não tem acesso a estruturas de beneficiamento ou armazenamento, ficando dependentes de atravessadores que impõem os preços de compra.
A exportação de pescado, tanto de peixes ornamentais quanto para consumo, gera receitas significativas para o estado. Entre 2006 e 2015, foram exportados mais de 142 milhões de exemplares de peixes ornamentais. Entretanto, boa parte do valor agregado escapa das mãos dos pescadores e se concentra em frigoríficos que possuem certificação e infraestrutura para vender para outros estados e países.
Nas regiões de fronteira, especialmente em Tabatinga, a situação é ainda mais delicada. Parte do pescado capturado segue de forma irregular para a Colômbia, fugindo da fiscalização brasileira. Pesquisas indicam que o volume dessa pesca ilegal pode chegar a dezenas de milhares de toneladas por ano, comprometendo tanto a arrecadação quanto a sustentabilidade dos estoques pesqueiros.
O problema se agrava com a presença de grupos criminosos que aproveitam as rotas fluviais para traficar drogas e contrabandear produtos naturais. Relatórios de organizações internacionais, como a ONU e o Instituto Igarapé, apontam que o narcotráfico vem diversificando suas fontes de renda, infiltrando-se também em atividades pesqueiras irregulares e utilizando a cadeia da pesca para lavagem de dinheiro.
Diante desse cenário, torna-se urgente fortalecer a cadeia curta da pesca, incentivando cooperativas, associações e pequenas plantas de beneficiamento. É preciso garantir que o lucro permaneça com quem realmente trabalha nas águas. Além disso, é fundamental aprimorar os sistemas de fiscalização e rastreabilidade para impedir o contrabando e proteger os recursos pesqueiros.
A riqueza das águas do Amazonas é um patrimônio coletivo. Transformá-la em fonte de renda justa e sustentável requer vontade política, investimento social e combate efetivo ao crime organizado. Caso contrário, os rios continuarão a enriquecer poucos e a empobrecer muitos, perpetuando um ciclo de dependência e desigualdade nas margens da maior bacia hidrográfica do planeta.
*O autor é mestre em Ciências Pesqueiras nos Trópicos; engenheiro de Pesca (IFAM- Campus Parintins); professor visitante na Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

