CARLOS SANTIAGO – O amor não correspondido do venezuelano por Donald Trump
Ele se confunde com coisas simples. Não sabe diferenciar o boi Caprichoso do boi Garantido, o curimatã da matrinxã e mistura os nomes dos clientes. Chama Mateus de Marcos e se refere a Lucas como João. Apesar disso, é um baita barbeiro, respeitado no Parque Dez e conhecido também pelas histórias de amor quase incondicional ao presidente Donald Trump.
O venezuelano Juan Pablo chegou ao Brasil antes da pandemia da covid-19, já que a situação política e econômica de seu país expulsava milhões de pessoas. Além disso, queria juntar muito dinheiro para morar nos Estados Unidos da América. Trabalhou em vários locais e em diversas atividades econômicas.
Foi ajudante de pedreiro, garçom de boate, atendente de loja de material de construção, banhista de animais em pet shop, mototaxista e, por último, cabeleireiro. Comia enlatados, bebia água de poço, não gastava com lazer e nem dava dízimo à igreja que frequentava. Fez uma sofrida poupança e pagou caro a um indivíduo que o levaria para morar nos EUA. Juan desejava muito viver no país de seu ídolo político, o bilionário Donald Trump.
Esse amor por Donald Trump começou quando Juan tinha 20 anos e o bilionário assumia o primeiro mandato no governo americano. O venezuelano era tão sentimental em relação a Trump que ficava feliz com os ataques do americano ao presidente de seu próprio país e delirava com os discursos trumpistas de oposição a negros, pobres e comunistas, embora Juan não soubesse diferenciar comunismo de capitalismo, liberalismo de socialismo e social-democracia de neoliberalismo.
Ficou muito deprimido com a derrota de Trump para o democrata Biden. Defendeu os atos contra o resultado das eleições, apoiou a invasão do Capitólio e queria a permanência do presidente por meio de golpe. Não sabia, nem queria saber, distinguir democracia de autoritarismo e de totalitarismo. Nunca se interessou por seus significados e práticas. Para ele, Trump tinha que ficar para combater o comunismo. E pronto.
Depois de uma nova vitória de Trump e de economizar por anos, Juan entendeu que era hora de morar nos EUA e finalmente realizar seu sonho. Era só alegria, dizia ele aos amigos do salão de beleza e aos clientes, pois ia residir na terra de Trump, onde “Deus, Pátria e Família” é o lema. Um país livre, sem tiranos e com liberdade de expressão.
Eu não via o venezuelano desde março. Todos diziam que ele tinha viajado. Há quinze dias, quando cheguei à barbearia para cortar o cabelo, ele estava lá: frustrado, mas sorridente. Contou que conseguiu entrar nos EUA de forma ilegal, pela fronteira com o México, sofreu muito e gastou tudo o que economizou. Mas foi abordado por policiais e levado à prisão. Silenciado, maltratado, indesejado e expulso, retornou ao Brasil. Atribuía a expulsão ao fato de ter nascido na Venezuela e dizia que gostaria de ter nascido nos EUA. Nada, segundo ele, era culpa das ordens do presidente Trump.
No último fim de semana, vi-o novamente, agora numa passeata, segurando a bandeira dos Estados Unidos, juntamente com centenas de brasileiros, defendendo os atos de Trump contra o Brasil e o mundo. Gritavam: “Trump tem razão, intervenção americana já”. Para ele e para os amigos brasileiros, soberania e cooperação multilateral são conceitos complexos e difíceis de entender. E o amor dele por Trump segue inabalável, esperando um dia ser correspondido.
*O autor é Sociólogo, Cientista Político e Advogado