ROBÉRIO BRAGA – A força improdutiva da burocracia
Enquanto a burocracia (a forte burocracia tradicional do Estado brasileiro) se impõe sobre a ação efetiva e prática do poder público – seja federal, estadual ou municipal –, o patrimônio histórico edificado da cidade de Manaus, em grande parte herdado há muito tempo da época da euforia econômica dos anos de 1880 a 1913 vai se deteriorando ou mesmo se desmilinguindo, como seria mais acertado dizer-se.

Induvidoso que o conjunto urbano do Centro Antigo da cidade, mesmo na situação em que se encontra de completa deterioração, é valioso e deveria ter sido conservado pelos proprietários e pelos governos e, na situação atual precisa ser restaurado, não só para preservação da memória de uma cidade encravada na floresta, mas, principalmente, para aproveitamento e usufruto pela atual e futuras gerações, porque, afinal, trata-se de bem coletivo e cultural dos amazonenses.
Não é de agora que há emperramentos os mais variados todas as vezes que se deseja tomar alguma providência de salvamento de bens arquitetônicos da capital. Sei, muito bem, das duras penas que tive de enfrentar quando secretário de Estado de Cultura (1997-2017) e dediquei esforços nesse sentido, me deparando com burocratas de plantão que adoram reuniões, seminários, debates, relatórios, análises, mobilização comunitária, rodas de conversa e, muito mais, adoram conversa fiada. Enfrentei gente de todo tipo, mas estou convicto de que, com uma equipe jovem, competente, dedicada e realmente interessada em servir ao bem comum, consegui superar dificuldades e salvei inúmeros prédios e coleções de arte, de livros, de moedas, de medalhas, de arqueologia, de etnologia…
Os burocratas não conseguem sair do discurso, planos e projetos para adotar uma atuação prática e efetiva e, enquanto isso, os imóveis considerados históricos ou relevantes na paisagem da cidade são abandonados, destroçados e vão ruindo e, no tempo presente, caminham para transformar o Centro e o Sítio Histórico em ambiente quase macabro.
Não se diga que faltam leis e regulamentos que autorizem o poder público a atuar na arrecadação e aproveitamento direto desses imóveis; não se diga que faltam leis que obriguem a reconstrução de prédios sinistrados; não se diga que falta regra legal para cobrança de imposto progressivo em razão de abandono ou descaracterização de imóveis antigos; não se diga que não se conhece o valor de tais bens, pois há vários estudos de especialistas neste sentido e há quem possa ser convocado a esclarecer a tradição de cada um deles; não se diga, muito menos, que não teriam serventia, pois o que mais se sabe é do aluguel de prédios para escolas e repartições públicas enquanto prédios pertencentes ao poder público são abandonados e até doados a terceiros.
De seu lado, o Governo Federal, praticamente inerte, à revelia da sociedade manauense e dos governos locais e sem audiência pública, decidiu tombar grande parte do Centro da cidade, anunciando que seria uma forma de proteção dos bens edificados, mas os deixou abandonados e dificulta a intervenção dos poucos proprietários interessados em conservar seus prédios. E mais que isso, não promove a restauração, conservação e uso adequado nem mesmo dos bens de propriedade federal como a Alfândega, os Correios, o prédio do BASA e o Porto, para citar alguns, muito menos daqueles inúmeros imóveis que tombou e estão distribuídos nas ruas de Manaus, os quais, pelo tombamento, passaram a ser, também, de responsabilidade de conservação federal.
No frigir dos ovos, como diz a linguagem popular, quem perde é o manauense que vê seu patrimônio cultural caindo aos pedaços enquanto paga impostos e devolve à União verbas astronômicas decorrentes do movimento da Zona Franca de Manaus sem que haja reciprocidade equivalente de serviços e investimentos.
O que prevalece, pois, é a força improdutiva da burocracia ou da incompetência e descaso.
- O autor é advogado, membro da Academia Amazonense de Letras
