WENDEL OLIVEIRA – O Paradoxo Alimentar do Amazonas: Cidades Abastecendo o Interior

O Amazonas, maior estado brasileiro em extensão territorial e um dos mais ricos em biodiversidade, apresenta um fenômeno singular no campo da segurança alimentar: o fluxo reverso de alimentos. Ao contrário do padrão tradicional em que o interior e as áreas rurais produzem para abastecer os centros urbanos, no Amazonas ocorre o inverso, são as cidades, especialmente Manaus, que enviam alimentos industrializados e in natura para o interior. Esse paradoxo revela não apenas uma inversão de papéis, mas também uma série de desafios estruturais, econômicos e sociais que afetam diretamente a vida das populações ribeirinhas e interioranas.
Diversos fatores contribuem para esse cenário atípico. Entre os principais, destacam-se: a baixa produção agrícola local, as mudanças culturais e de consumo, a infraestrutura e logística precárias e as políticas públicas insuficientes. Apesar da abundância de terras férteis, a produção rural no Amazonas enfrenta dificuldades relacionadas à falta de assistência técnica, ao acesso limitado a crédito e à ausência de políticas de incentivo consistentes. Além disso, o isolamento geográfico e a dependência do transporte fluvial tornam o abastecimento mais caro e desafiador.
Outro aspecto importante é a transformação cultural. Populações ribeirinhas e comunidades do interior passaram a consumir cada vez mais produtos industrializados vindos das cidades, como arroz, macarrão, enlatados e refrigerantes. Esses alimentos substituem progressivamente itens tradicionais da floresta, como mandioca, peixes e frutas regionais, provocando a erosão de práticas alimentares ligadas à identidade amazônica.
As consequências desse paradoxo são profundas. Do ponto de vista econômico, o interior torna-se dependente dos centros urbanos, o que aumenta o custo de vida e fragiliza a autonomia das comunidades. No campo social, ocorre a perda de saberes tradicionais e de práticas alimentares. Já no aspecto ambiental, há maior produção de resíduos sólidos e substituição da diversidade regional por produtos industrializados.
Para enfrentar essa realidade, algumas alternativas podem ser apontadas: fortalecimento da agricultura familiar com crédito e assistência técnica; valorização de produtos regionais, como frutas e peixes; investimentos em infraestrutura de transporte e armazenamento; criação de cooperativas e políticas de integração regional; campanhas de educação alimentar que resgatem práticas tradicionais e estimulem o consumo consciente; e a introdução na grade curricular das escolas do interior, da disciplina de práticas agrícolas ou agroecologia.
O paradoxo alimentar do Amazonas, onde cidades abastecem o interior, reflete uma realidade complexa que vai além do abastecimento: é um desafio de desenvolvimento sustentável e de preservação cultural. Reverter ou equilibrar esse fluxo depende de planejamento estratégico, valorização da produção local e políticas públicas consistentes, capazes de garantir autonomia às comunidades do interior e transformar esse paradoxo em uma oportunidade de crescimento regional.
*O autor é mestre em Ciências Pesqueiras nos Trópicos, engenheiro de Pesca do IFAM-Parintins, professor visitante na Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
wendel.oliveira@ifam.edu.br
