ROBÉRIO BRAGA – Inquéritos Íntimos

 

Era assim, com esse título de “inquéritos íntimos” que a “Revista Cá e Lá”, editada e com circulação em Manaus, entrevistava algumas das personalidades mais importantes da vida social, política, econômica e os intelectuais da capital amazonense, nos idos de 1917, provocando, algumas vezes, revelações curiosas e outras estranhas a mais não caber, várias delas até inúteis para os dias de hoje, mas que representavam a realidade da época.

 Dentre os entrevistados esteve Raul de Azevedo, figura exponencial das letras, jornalismo, serviço público federal e cônsul da República do Chile, acreditado junto ao Estado do Amazonas e a governo federal, como se dizia na ocasião. Ao mesmo tempo era homem de polêmicas, muitos amigos e inúmeros adversários contundentes, autor de diversos livros e crônicas, algumas delas aguçadas nas críticas, além de ter sido político e líder do governo estadual na Assembleia Legislativa.

 Maranhense de boa cepa e linhagem respondeu a coisas triviais e a delicadezas do repórter, esclarecendo que o seu traço principal de caráter era “saber querer”; que a qualidade feminina que admirava era “a graça”; a sua principal qualidade seria “perdoar aos ingratos”; o passatempo era “vê-la, escrever e ler”; mas que gostava mesmo era de viajar, preferia frutos ao bom paladar e tinha como divisa “amado ou odiado; esquecido nunca”. Outras respostas evasivas completaram o inquérito não sem que antes ele proclamasse os seus escritores preferidos: Flaubert, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Heredia, Bilac e Alberto de Oliveira. Como se vê, andava em muito boa companhia.

 Tempos depois a revista brindou seus leitores fazendo a mesma entrevista com Adriano Jorge quando ele revelou a sua divisa “forte como a morte”, a mesma que utilizei como subtítulo de livro que escrevi sobre a vida e a obra desse alagoano de muitos méritos.

Em seguida, pode-se ler o inquérito feito com Carlos Chauvin que admirava a afetividade nas mulheres, preferia as alienígenas, teria como verdadeira vocação o sacerdócio, gostava de comidas doces, a música atacava seus nervos, se fosse rico em breve seria pobre novamente, e preferia ler Homero, Camões, Dante, Cervantes, Santo Agostinho, Aristóteles, Comte, César e Plutarco. Não há de ter sido grande sucesso essa entrevista, pois o entrevistado saiu-se com muitas evasivas ao repórter.

A de Thaumaturgo Vaz, jornalista, escritor, poeta, homem das sátiras, combativo e combatido, deve ter tido melhor aceitação entre os assinantes da velha “Ca e Lá”, pois desnudou-se completamente para revelar que procurava não ser melhor do que era de verdade, ou seja, não valer mais do que valia; nas mulheres preferia a delicadeza nos gestos e nas palavras; tinha como principal qualidade a de rir e gostar de rir; o seu defeito era perdoar os imbecis; o passatempo era ler a Bíblia e d´Annunzio; a sua vocação seria ser vigário no interior, menos no Município de Canutama; queria ter nascido na época da Revolução Francesa para ter conhecido Maria Antonieta; o que mais gostava de fazer era entreter palestras em português com o diabo;  no paladar, não dispensava beijos de Clicquot – a mais alegre de todas as viúvas; que tinha com divisa “ser forte para a vida”; tendo entre seus autores preferidos,  Sócrates, Cervantes, Eça, Bilac, Carlos D. Fernandes e Emílio de Menezes.

Depois de tanto reler a coleção dessa revista e constatar que esses inquéritos tiveram sempre as mesmas perguntas, deixando de lado assuntos de relevância, verifico a futilidade dessas páginas e mais que, na maioria dos casos, não conseguiu revelar a personalidade dos indivíduos, e não entrevistaram nenhuma mulher, dentre as inúmeras que se projetavam na vida social e no magistério da sociedade de então. Em todo caso, essas referências devem atender a curiosidade do leitor em saber sobre os escritores na fase inaugural da decadência da “belle époque amazonense”.

*O autor é advogado, membro da Academia Amazonense de Letras; foi secretário de Cultura do Amazonas por mais de 20 anos

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