ROBÉRIO BRAGA – Inscrições nas Lajes

Robério Braga

Assombrados e curiosos cuidaram de acorrer às pedras das Lajes, diante do encontro das águas dos rios Negros e Solimões grandemente cantado por Quintino Cunha, para bisbilhotar as inscrições rupestres que emergiram nos paredões da região em razão da seca severa dos rios amazônicos, daquelas que há muito não se via como assinalam os estudos de mais de 120 anos passados.

Não é nova a (re)descoberta das tão antigas gravações ou entalhes feitos em pedra os quais, segundo estudiosos da área, devem somar mais de dois mil anos. Verdade que eles chegam a deslumbrar quem se aventura a comparecer ao local para ver de perto o sítio arqueológico que é da maior importância para todos nós e que fornece indicações significativas de nosso passado. Mas igual verdade é que devem ser protegidos de vândalos e das afoitices da ignorância que andam rondando nossa cidade por todo lado.

 Quase todas as inscrições agora visíveis representam faces humanas a exprimirem sentimentos naturais como sorrisos e temores, e são consideradas de valor inestimável. Além disso há animais e outros elementos da natureza amazônica, inclusive amolador, fiador e polidor como se fosse área de ateliê usado de tempos em tempos, com aplicações que podem ter sido feitas por crianças.

            Entre nós – amazonenses da gema – quem conseguiu estudar inscrições em pedra mais ou menos desse tipo foi Bernardo Azevedo da Silva Ramos, comerciante, político, republicano, positivista e apaixonado pesquisador que criou e organizou o Museu de Numismática do Amazonas. Sobre inscrições do gênero ele publicou alentado livro com a possível tradução dos dados constantes na pedra da Gávea e outras legações rupestres, sob o título de “Inscrições e Tradições da América Pré-Histórica”, em dois volumes repletos de gravuras, considerado obra ciclópica.

Evidentemente que a arqueologia atualmente praticada, inclusive em Manaus, tem mais recursos e informações técnicas que aquela quase rudimentar que Bernardo Ramos utilizou para as decifrações importantes que fez, e, neste caso, bem poderia conseguir resultados satisfatórios na apreciação das informações de antanho que, diante da baixa acentuada das águas, são postas ao relento e podem ser vistas a olho nu. E seria muito bom que assim procedessem antes que algum aventureiro se arvore a adulterá-las, interferir nos traços ou pretenda copiá-las por meios e modos prejudiciais ao original.

Na vizinhança dessas preciosidades, o que se vê é lixo e esgoto – e não é de hoje -, prova concreta de que a presença humana nos tempos correntes não pode se comparar ao modo como procederam nossos antepassados distantes.

Por outro lado, não se deve olvidar que foi do paredão das Lajes que os rio-negrenses procuraram resistir ao avanço de tropas paraenses que vinham retomar o poder político e destituir o governo estabelecido em 1832, o célebre movimento que pretendia conseguir a autonomia político-administrativa que nos era negada pelos interesses belenenses. E mais, consta que seria sobre esse pedestal da história que, como tanto se fala, será estabelecido certo mirante para fins de visitação turística e contemplação do encontro das águas escuras e amarelas dos nossos rios maiores.

O que desejamos é que os curiosos e assombrados logo se afastem do lugar, que os pesquisadores sérios e especializados possam atuar desenvolvendo registros capazes de serem levados a estudos e debates e o Poder Público atue na preservação da área até que as águas santas os protejam como tem sido por séculos.     

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