ROBÉRIO BRAGA – Sentindo a mesma dor

 

Meditando sobre o imenso valor do amor de minha mãe por todos nós e pelos pequeninos mais pobres de nossa terra, nessa hora de imensa saudade quando se aproxima o dia que foi convencionado para homenageá-la, e após a oração contrita que pacífica o coração, mesmo que não possa abraçá-la em matéria corpórea porque dela apartado, faz anos, pelos desígnios superiores e em razão da caminhada natural da evolução de seu espírito eterno, posso senti-la em mim, no interior mais profundo do meu eu, de forma permanente e presente em todos os minutos, ainda que me ressinta de acariciar seus alvos cabelos, deitar-me no seu colo, ouvir sua voz macia e meiga, olhar em seus olhos ternos que com o tempo se transformaram em lagos quase azuis e de profundidade imensa a traduzirem a paixão que ela nutria pela vida, tal como sempre nos declarava.

É em seu louvor que escrevo.

Escrevo e as lágrimas escorrem dos olhos meus que começam a cansar pelo tempo passado, e doerem por verem o sofrimento de quantos, nos pampas gaúchos brasileiros, sofrem o amargor das intempéries muito em razão da “desprevisão” de quem deveriam provê-los das mínimas condições de segurança e bem-estar e, ao longo dos anos, ao que se constata em situações que tais, têm sido ineficientes no cumprimento das suas obrigações e dos compromissos devidos pelo exercício dos encargos de gestão pública.

Dilacerados, por certo, inúmeros corações de mães e filhos do Rio Grande atravessarão este domingo socorrendo os alagados, isolados, sofridos e abandonados, homens, crianças, mulheres e animais queridos que enfrentam as consequências dos crimes ambientais que em todo o planeta vêm sendo perpetrados sem medida.

O que dizer à criança que se encontra em abrigo à espera de que a mãe seja encontrada entre os escombros dessa tragédia sem igual? Como apaziguar a mãe gaúcha que espera, ansiosa e em desespero, que o guri seja encontrado e a ela devolvido para o abraço que acolhe e cura todas as dores do corpo e da alma?  Como resistir às perdas pessoais e familiares e continuar de pé, atolado na lama, mas em solidariedade aos que ainda têm esperança de recompor seus lares, encontrar seus pais e avós, recuperar o corpo inerte, que seja, de um familiar ou amigo para conceder-lhe, com dignidade, o lugar derradeiro no campo santo?

Como superar a sede, a fome, o desabrigo, as doenças, o cansaço, o desespero, a dor que fere fundo por perceber a destruição quase irrecuperável de sua cidade querida e brasileiramente nossa? Que os gaúchos e gaúchas arrastem força e resistência do fundo do âmago da própria história de luta farroupilha, de vitórias e de grandes campanhas cívicas, dos facões que tilintam em suas danças folclóricas que tanto nos orgulham e saiam vencedores dessa tormenta, apesar dos rasgos incontáveis e profundos que restarão cravados na alma.

Diante do cenário desse desastre anunciado há muitos anos, foi que me debrucei sobre a minha saudade da mãe querida – imensa e grave saudade -, aquela que me ocupa desde há muito e ao mesmo tempo alimenta a minha esperança de continuar seguindo pelos caminhos para os quais fui orientado, honrando a memória de meu pai e minha mãe; diante desse cenário, passei a dirigir minhas preces de Amor também para as mães e os filhos e filhas do Rio Grande do Sul, confiando que hão de se manter fortes, vigorosos e vigorosas no amor que nutrem, uns pelos outros, e com este Bem incomensurável aplacar o sofrimento, conseguir forças para se manterem rijos nos dias e noites que precisam atravessar mantendo a luta hercúlea do salvamento a que se dedicam.

Nós outros, brasileiros da vizinhança do Oiapoque, das florestas densas e das águas muitas que são o extremo do Brasil choramos as mesmas lágrimas dos gaúchos e a eles nos unimos em abraço de solidariedade, sentindo a mesma dor que dilacera os seus corações.

*Membro da Academia Amazonense de Letras, ex-secretário de Cultura do Amazonas

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