ROBÉRIO BRAGA – Ao som da saudade
Os sons que me chegam à memória, todas às vezes que me debruço sobre a minha trajetória estudantil no Instituto de Educação do Amazonas, além do toque estridente da campainha para ingresso no prédio e na sala de aula e das vozes eloquentes de professores habilidosos e dedicados, são os repiques da caixinha e dos taróis que davam o andamento da Banda Marcial e do desfile dos pelotões de alunos orientados pelo professor Gadelha, professora Waldeciria e depois por Nelson Ferreira.
Ao som dessa saudade, desejo registrar que a organização da Banda Marcial era algo solene e empolgante. A seleção dos integrantes era rigorosa, a preparação dos instrumentos, nem sempre em melhores condições, era trabalhosa e na maioria das vezes realizado pelo próprio instrumentista e de forma rudimentar, os ensaios em grupos e em conjunto na quadra de esportes, os primeiros “passeios” em via pública, a definição dos trajes, tudo era motivo de grande movimentação entre os alunos.
Além dessa alegria que movimentava dezenas de colegas, isso dava um certo prestígio junto às colegas (ieanas e ginasianas) que gostavam de acompanhar os ensaios e saber quais as inovações que estávamos tramando, porque, a cada ano, surgiam coisas novas e inesperadas e, às vezes, até mesmo improvisadas na emoção da hora de descer a Avenida Eduardo Ribeiro, por onde todos desfilávamos com enorme prazer e sentido cívico.
A cada dia um debate se estabelecia entre nós: primeiro, para verificarmos como marcar a diferença em relação ao ano anterior; depois, para definir como conseguir sobrepujar a Banda da Escola Técnica Federal e seu famoso “caixinha”, que era considerado o mestre dos mestres; assim como enfrentar a formação exclusivamente feminina da Banda do Instituto Benjamin Constant ou a inovação do Colégio Dom Bosco, ou ainda, como vencer o vibrante corneteiro-mor do Colégio Brasileiro, nosso queridíssimo mestre Pedrinho Silvestre… e muitos e muitos outros desafios. O maior de todos, entretanto, era o confronto com o Colégio Estadual do Amazonas, classudo em seu traje de gala, com quepe, broche do castelo, banda muito bem-preparada e o garbo historicamente reconhecido, além de seu bode.
Nada disso nos intimidava nem acabrunhava. Ao contrário, eram estímulos que nos impulsionavam a superar todas as dificuldades e, não raro, saíamos vencedores (pelo menos no nosso próprio conceito), como se tivesse havido embate de competência e habilidades. De certo modo, contávamos com a simpatia do público que comparecia para assistir os desfiles que incluíam grupamentos militares federais e estaduais, carros blindados, tanques, aviões, caminhões de bombeiros, animais do CIGS, forças especiais do Exército, todos prestando solenes reverência à Nação e a se curvarem aos símbolos nacionais.
Nos palanques oficiais, bem-decorados e postos ao lado direito da Avenida Eduardo Ribeiro no sentido do porto de Manaus, as principais autoridades constituídas acompanhavam com seriedade e respeito a passagem de todos os alunos e destacamentos militares que costumava ter início as sete horas. Ao longo da via, nos dois lados, uma expressiva massa da população se acotovelava esbarrando em cordas de isolamento para ver a passagem dos grupamentos estudantis e militares, aplaudindo a cada movimento mais audacioso das balizas, quando das continências prestadas diante do grito solene de “olhar à direita!”, ao toque refinado e do improviso da Banda Marcial, diante da aproximação da tropa de Guerra na Selva. Tudo era motivo para a vibração popular em ressonância a esse evento que, pelo menos no Amazonas, foi criado ao tempo dos anos 1930, por Getulio Vargas.
Ao som dessa saudade, realçando que esses mesmos sons embalaram meus sonhos de felicidade, contemplo o feliz olhar de meus pais, orgulhosos porque os filhos e filhas desfilavam, vitoriosos, com fardas adquiridas com dificuldade e muitas vezes engomadas em ferro a carvão no caminhar da noite.
*O autor é advogado e membro da Academia Amazonense de Letras