LOURENÇO BRAGA – Conversa com Evandro Farias

 

Lourenço Braga

Desde muito cedo, fui paulatinamente conduzido a desenvolver o gosto pela escrita, embora jamais tenha conseguido, bem sei, fazer-me bom escritor, afastada qualquer falsa modéstia própria dos que nem sempre sabem reconhecer suas deficiências, alguns até chegando a jactar-se de dotes que nem possuem de verdade. Mas, escrever virou quase mania, talvez porque a tanto conduzido pela mestra em casa, sempre muito rigorosa em exigir acertos de concordância e a desaconselhar exageros de adjetivação, ou por alguma parcela, mesmo mínima, de transferência genética, do velho comandante, para quem a pena, o tinteiro e o papel constituam, juntos, universo de prazer intenso, ao construir matérias jornalísticas, reportagens, discursos e até poemas, muitos que dedicou àquela que com ele construiu amor verdadeiro de mais de meio século.

Esta conversa, entretanto, não gostaria de escrever, porque ainda com o coração em pranto e com saudade profunda ante a partida de um amigo-irmão, com quem caminhei muito tempo, para planos outros da existência, segundo creio. Mas o respeito sempre devotado e a admiração jamais traída por ato ou por gesto qualquer a mim me impõe o dever de fazê-lo, com o sabor estranho de homenagem derradeira.

Na segunda-feira, 9 deste setembro, meu caro Evandro, estarei na capela do Colégio Auxiliadora para acompanhar, contrito, ao lado de Terezinha, grande companheira de significativa parte de  tua vida, e de João, filho muito amado  que dividirá a dor com sua mãe, herdeira dos Santoro e devotada no amor e na dedicação,  a missa de sete dias de tua passagem para  cumprimento de missões outras.

Encontramo-nos bem jovens, ali por volta dos 12 anos de idade, no Instituto de Educação do Amazonas, dirigido pela incomparável Lila Borges de Sá, e cursamos juntos desde a 2ª até a 4ª série ginasial, quando fomos considerados ambos aptos à matrícula no que hoje se chama de ensino médio. Éramos da Turma “A” e nossa sala de aula era a primeira seguinte à dos professores, onde tivemos o privilégio extraordinário de ser conduzidos por mestres como Benício Leão, Mirtes Trigueiro, Aristóteles Comte de Alencar (assim mesmo com “m”, como fazia questão de exigir) Garcitylzo do Lago e Silva, Neusa Ferreira, Armando Menezes, Miguel Duarte, Evanir Barroso, Alfredo Fernandes, e onde fomos iniciados na atividade política em disputas pela gestão do Grêmio de Estudos e Defesa da Língua Pátria, o GEDELPA, criado por mestre João Chrysóstomo de Oliveira em cada uma de suas turmas e que se destinava a incentivar e desenvolver atividades culturais como júris históricos e concursos de oratória, para também proporcionar o estudo da Língua Portuguesa. Não me lembro de havermos sido adversários e recordo que gostávamos muito das aulas no laboratório de Ciências tão bem ministradas por Nazaré Xavier, que depois iria ser Diretora da escola.

Moravas ali na Lobo d’Almada, rua em que também residiam o outro Evandro de nossa sala, o Andrade, o Aníbal,  os irmãos Vicente,  Inácio e João Bosco Evangelista e recordo de ocasiões em que fui carinhosamente recebido pela respeitável professora Otília, tua mãe, e por Rosa, tua babá de toda a vida, confidente, amiga e muitas vezes cúmplice de peraltices naturais dos primeiros tempos da juventude. E  ainda tinhas o luxo do carinho e do dengo da “tia Olga”, também sempre disposta a te defender, como muitas vezes até fez teu avô, morador ali pelas bandas da Avenida Epaminondas.

Éramos 45 alunos da turma “A”, dentre os quais Clarice Zita, José Cabral Jafra, Alberto Sabbá, Ricardo Braga, Beatriz Castro e Costa, Eugênio Hauradou, o mais velho da turma, Carrel Benevides, Fausto Nogueira, Arthur Virgílio Neto, alguns poucos que permaneceram no IEA, concluído o ginásio, para cursar o “Pedagógico”, outros que, como fizeste, foram para o “Científico” ou o “Clássico”  no Colégio Estadual,  no Dom Bosco, ou no Colégio Brasileiro, do professor Pedro Silvestre, mas é fato que todos dali saímos preparados para os desafios que fomos encontrando ao longo da  vida, mercê da qualidade do ensino que recebemos.

Em colégios e cursos distintos, diminuímos a convivência diária e fomos restabelecê-la quatro anos depois na velha Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas, hoje UFAM, uma das três mais antigas do Brasil e que eu iria dirigir, bem depois, como primeiro diretor eleito em seus quase oitenta anos de existência. Fomos colegas de turma do 2º ao 5º ano, alunos de Oyama Ituassu, Samuel Benchimol, João Ricardo, Paulo Feitosa, Almir Dantas, Aderson Dutra, Afrânio Soares, Viriato Oliveira, Aderson de Menezes, Benjamin Brandão, Paulo Nery, Carlos Bandeira, Ernesto Roessing, quase todos catedráticos  que compunham a Magistratura, o Tribunal de Contas ou o Ministério Público.

Tivemos colegas ilustres como João Valério e Roberto Jansen, deputados, Liana Pereira, Aderson Frota, Aristarcho Melo, Nazaré Limongi, Yeda Guerra, Socorro Novo, Edson Rosas, economista, Carlos Antunes, assistente social, Francisco Flores, Vinicius Gonçalves, médico, dentre tantos, e nosso grupo de estudo, que contava conosco e  com Yano René, Lucimar Abensour e Raquel,  depois Braga, varava madrugadas às voltas com livros e anotações tomadas durante as aulas, disputando o “anel simbólico” que terminou sendo a mim entregue por Lourenço, o pai, em solenidade presidida pelo diretor David Melo no Teatro Amazonas. Mas o prêmio era, em verdade, dos cinco teimosos, eis que vocês quatro permaneceram nos estudos mesmo já aprovados por média com intenção de encorajar e ajudar na conquista.  Só os dignos agem assim!

Na Faculdade, compuseste politicamente com Roberto Gesta, de turma mais adiantada, e uma união de forças permitiu que vocês dois fossem dirigir a Associação Atlética e que João Coelho Maciel se  elegesse presidente do Diretório Acadêmico, com apoio do grupo liderado por Mário Haddad.

Em nossa formatura, Edilio e Otilia, teus pais, com Rosa ao lado, esbanjavam a alegria que contagiava Sebastiana  e Lourenço, assim como Aliete Parente, amiga de Raquel e nossa, secretária da Procuradoria Geral de Justiça também quando João, o mais velho dos Braga, dirigiu o Ministério Público. Era igual o orgulho dos familiares e amigos dos demais colegas que, após missa em ação de graças na Igreja dos Remédios, receberam, como nós outros, o tão desejado diploma de bacharel em direito firmado pelo diretor David e pelo reitor Aderson Dutra, no belo Teatro do largo de São Sebastião, com o merecido festejo do baile de formatura nos salões dos espelhos do Atlético Rio Negro Clube.

Até aqui cuidei, em síntese apertada, dos tempos de estudante e preciso parar ao viso de não cansar em demasia meu reduzido público leitor. Em segundo bilhete, vou tentar relembrar de parte do muito que veio depois.

Não concluo estas sentidas linhas, entretanto,  sem um pedido fundado na fé para que o Pai te conceda vida nova no reino dos bons e dos justos, que hás de merecer.

 

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