ROBÉRIO BRAGA – Cinema particular

 

Robério Braga

Não é a nova a realização de sessão de cinema particular, ou seja, praticamente exclusiva e assistida por poucas pessoas, evento que na atualidade se dá quando escolhemos uma das plataformas comerciais disponíveis para televisão, selecionamos o filme ou o seriado e nos refastelamos na poltrona de casa para assistir prazerosamente a uma película, agora em meio digital e cada vez mais moderno.

Não faz muito, em alguns poucos lugares de Manaus também era possível que um grupo seleto de convidados se desse ao luxo e ao requinte de assistir sessão de cinema em lugar super reservado, algumas vezes regada ao bom debate sob o desempenho dos artistas, do diretor, do fotógrafo, enfim, dos profissionais que teriam atuado na criação da obra de arte cinematográfica, ensaiando estudos críticos sobre a matéria.

Esse modo muito particular, em tempos não tão distantes, sucedeu muito especialmente no último andar do Edifício Palácio Rodoviário, atual sede da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas, na Cachoeirinha, o qual havia sido transformado em residência oficial do governador do Estado, notadamente quando ali residia o professor Arthur Cézar Ferreira Reis e sua esposa Graziela Reis, os quais faziam questão de estar acompanhados dos clubistas e cinéfilos da época, ou de Luiz Maximino de Miranda Corrêa, conforme me confidenciou o mestre em uma das muitas conversas que travamos quando o visitava em seu apartamento em Botafogo ou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Uma sessão especial, entretanto, chamou a minha atenção e aguçou a curiosidade de pesquisador, precisamente a que foi realizada em Palácio Rio Negro, então sede do governo do Estado, pelos idos de 1923, noticiada pela imprensa manauense e objeto de gozação política nas páginas do “Jornal do Brasil”, do Rio de Janeiro, em maio de 1923.

O poder estadual estava nas mãos da família Rego Monteiro, liderada pelo patriarca César Augusto do Rego Monteiro que, naquela data, fazia aniversário. E ao que me acostumei ao longo do exercício de atividades públicas, bem sei que festa de aniversário de governador é recheada de apaniguados do poder, aplausos e puxa-saquismo daqueles que não é qualquer cristão que aguenta. Há sempre quem procure incensar o “chefe” a mais não puder.

Foi o caso. Naquela noite, na varanda do Palácio, estavam reunidos: Rego, governador; Turiano Meira, presidente da Assembleia e genro de Rego; Alcides Bahia, vice-presidente da Assembleia e tratado como filho adotivo de Rego; Claudio Monteiro (filho de Rego e secretário do Governo), Mário Monteiro ( filho de Rego e chefe de Polícia), Edgard Monteiro (filho de Rego e prefeito de Manaus), e o filme projetado com as naturais deficiências tecnológicas da época foi todo ele dedicado a mostrar a “corte palaciana” aqui descrita, naturalmente com as chamadas “caras e bocas”, poses de impressão de eternidade, em eventos oficiais e horas estafantes de trabalho para dar conta dos encargos da Administração estadual.

Foi o que a imprensa denominou de “sessão de cinema em família…”, cujas relações, comportamentos pessoais e atitudes políticas carecem de estudo mais profundo, como tenho dito em outros artigos em que me reporto a esse período de governo estadual.

De todo modo, com essa relembrança, julgo estar atendendo, também, à curiosidade dos leitores que me acompanham semanalmente.

* O autor é advogado, membro da Academia Amazonense de Letras

 

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