ROBÉRIO BRAGA – Uma revelação de verdade
Surpreendido com uma breve notícia sobre a obra “Dez anos no Amazonas (1897-1907): um imaginário social da Amazônia”, de autoria de Alfredo Lustosa Cabral, na qual ele descreve sua passagem como trabalhador dos seringais nos altos rios do interior amazônico, muito mais para as bandas da região acriana, fiquei admirado do que ele deixou assentado dessa passagem, particularmente no que se refere a Manaus no curto período em esteve perambulando antes de tomar o vapor com destino a Fortaleza, visto que não teve o ânimo de se estabelecer na capital amazonense.
Como exemplo de sua tenacidade e determinação, basta referir que, como bom paraibano de nascimento, enfrentou a borrasca dos seringais, retornou a terra, concluiu os estudos, fez curso superior e se tornou professor, em cujas aulas deve ter aproveitado essa rude experiência.
Sua permanência em Manaus nos primeiros anos de 1900 foi por doze dias, nos quais ficou hospedado na “Pensão 31 de Janeiro” e, pelas manhãs e tardes, andou frequentando o “Café Itatiaia” que era um polo de atração de parte da elite local, sobretudo de jornalistas, médicos, advogados e intelectuais os mais variados.
Afinal, era um dos melhores “points” da capital. Como não poderia deixar de ser, ficou meio abismado com a beleza do Teatro Amazonas, mas o que marcou aquele jovem seringueiro que fugia das matas foi o cabaré El-Dorado, a que ele chama de “ambicionado tesouro” e, como ele declara, era “a mais luxuosa pensão, o mais empolgante cabaré da América do Sul. Fortemente iluminado, com todas a sorte de jogos, com teatro, era lugar de lindos rostos de todas as partes do mundo – polonesas, francesas, portuguesas, peruanas, brasileiras dos vinte e um Estados, todas ali se exibiam numa libertinagem desordenada e doida”.
O autor não deixa espaço para imaginação do leitor e nem para a criação fútil dos romancistas. Ele narra com veemência tudo o que sucedia: “escravizado oito ou dez anos na selva, sem relações com o sexo oposto, o seringueiro que chegava à cidade não o deixava de frequentar. A exploração era roxa. Muitos ali deixavam todo dinheiro que haviam arranjado com enormes sacrifícios. “Lisos” – restava-lhes ir ao escritório do patrão implorar uma passagem no gaiola e retornar ao seringal de onde saíram”.
Pela descrição que fez, é de supor que tenha estado no cabaré, porém não confessa abertamente, se esta sedução louca também o pegou de supetão e perdeu o pouco que amealhara. Seguiu para o Ceará no paquete “Maranhão” e em Fortaleza ficou hospedado em uma República que estava sob a responsável de um primo que era acadêmico de Direito.
Após dias de viagem Alfredo Lustosa Cabral retornou ao Sul, viagem que foi noticiada pela imprensa: “pelo vapor “Espírito Santo”, chegaram a nossa capital, vindos de Fortaleza, os acadêmicos de Direito Francisco Falcão, Paulo Pedro Montenegro, Alfredo Lustosa Cabral e Américo Falcão”.
Depois de dez anos tudo era novidade e alegria, mas, naturalmente, havia marcas fundas na alma, no coração e na carne, até porque não seria possível sair do inferno das estradas de borracha, do chicote do capataz, da fome e das muitas moléstias que grassavam na região, sem carregar marcas profundas de dor.
*O autor é membro da Academia Amazonense de Letras e advogado