ROBÉRIO BRAGA – Casas de Teatro em Manaus
Para trazer notícias rápidas ao leitor assíduo que imagino ter fidelizado nestes mais de cinquenta anos em que escrevo em jornais de Manaus, sempre ando cascavilhando em meus arquivos e anotações os registros antigos que fazia nas horas feriadas da juventude passada. Umas notas curiosas, dia desses me chamaram a atenção porque se referem a casas que, na capital amazonense, serviam de teatro para o entretenimento preferido de boa parte da população, de tal modo interessantes que resolvi compartilhar algumas delas, neste artigo.
Desde os finais dos anos 1870 funcionava o Teatro da Beneficente Portuguesa com função mais intensa a partir de 1885, portanto, um ano após a abolição da escravatura negra no Amazonas, a única “sala” dedicada a espetáculos de arte que funcionava em terreno da Sociedade Beneficente Portuguesa, na então Praça Uruguaiana, depois denominada de Praça General Osório, em local onde anos mais tarde foi construído o Palácio Episcopal. Era um modesto barracão de forma circular com um esteio ao centro, no qual também eram realizados leilões beneficentes para a edificação do prédio hospitalar, e que o povo chamava de “Chapéu de Sol”.
Foi nesta “casa de arte” que o primoroso maestro Adelelmo Nascimento, logo após a sua chegada a Manaus, fez o primeiro recital com violino muito bem utilizado por mãos hábeis e forte dose de sentimento, inaugurando outra fase de eventos no lugar. Mesmo assim, continuaram a ser realizadas conferências políticas para discussão popular sobre projetos de lei em tramitação na Assembleia Provincial, festas em benefício das alunas do Asilo Orfanológico e espetáculos de magnetismo que fizeram larga temporada na cidade.
Por lá se apresentavam Lima Penante, Braga, Passos, Helena Balsemão e outros artistas, a divertirem o pouco público que acorria aos espetáculos sob calor infernal, mas, de repente, o apetite pelo lírico começou a dar alguns sinais. Nesta casa estiveram os artistas Medeiros e Isolina Monclar, com textos de Alexandre Dumas, e foram realizados os bailes de carnaval organizados por Soares Raposo a que mestre Genesino Braga sempre referia em primorosas crônicas com as quais brindava os manauenses nas domingueiras.
Melhor organizado foi o Eden-Theatro, de propriedade de Couto & Lucas, levantadado ao lado do Hotel do Comércio, a seguir denominado de Hotel El-Dorado, que ostentava decoração de Arturo Luciani e pano de boca que representava a humanidade em marcha, época em que, ao que se diz na imprensa diária, foi organizada uma companhia lírica local.
Eis como se pode ilustrar os primeiros anos de arte dramática e lírica em Manaus, ao tempo do Império (1822-1889), em uma cidade de poucos habitantes, muitos dos quais analfabetos e uma pequena classe média-alta enricando, mas talvez nem esperasse viver o apogeu da economia da borracha. Entretanto, dele soube se aproveitar no sentido mais amplo, inclusive esbanjando libras esterlinas e sonhando em transformar a antiga Barra do Rio Negro em uma Paris nas selvas.
Teria sido daí o interesse por um teatro público, como se denominou, a princípio, o Teatro Amazonas que veio a surgir a partir de 1881 como projeto de lei e teve as obras iniciadas em 1884, logo interrompidas e retomadas em 1892 depois de muitas idas e vindas, graças ao empenho e determinação de Eduardo Ribeiro, o seu verdadeiro construtor.
É de se perguntar: teria sido daí o interesse pelo lírico em Manaus?
* O autor é advogado, membro da Academia Amazonense de Letras