Robério Braga – Manaus em brasa

Robério Braga

O forte calor exageradamente aumentado a que Manaus está sendo submetida desde agosto passado despertou no articulista a curiosidade de saber como teria sido a temperatura urbana em anos antigos, conforme registros que mereçam respeito. E, recolhendo trabalhos elaborados com base científica, podemos oferecer breve demonstração de que a situação climática local agravou.

O atrevimento em tratar desse tema quando há cientistas e pesquisadores estudando a matéria com profundidade, impõe que me arvore a indicar, tão somente, dados registrados pelos que, conforme a ciência da época, estiveram atentos à condição climática da capital amazonense. É fato, entretanto, que surgem indicadores bastante visíveis de que fatores apontados como agravantes do calor em 1900 foram ampliados com o passar do tempo e agressivamente amplificados nos últimos anos.

Nosso clima foi caluniado, diz-se a respeito da opinião de Euclides da Cunha em 1904-1905 quando residiu na Vila Municipal (Adrianópolis) e trabalhou no bairro dos Tócos (Aparecida). Esse repúdio foi ressaltado por Hermenegildo de Campos (1909), sobretudo no que dizia respeito a que a cidade fosse foco de doenças, com clima tórrido, igual ao do Saara, quando era ameno em relação aos dias correntes.

Os estudos apreciados desmentem a condição irrespirável naquela Manaus e aludida pelo autor de “Os Sertões”. Torquato Tapajós (1889), em trabalho relativo a 1861-1868 registrou que a máxima absoluta no Estado não passou de 35.º e a mínima não desceu de 19.º, com média geral de 26.º. Em junho de 1890, em Manaus, os registros de Hermenegildo de Campos indicam mínima de 19.º e máxima de 22.º e 24.º, enquanto no rio Juruá a friagem junina foi a 11.º9, em 1905. No mesmo ano a média no Rio Negro foi de 26.º11, no Rio Branco 24.º4, no Rio Madeira 26.º, no Juruá 25.º3, provando que no interior a temperatura era ainda mais amena.

Os registros de 1909, na “Climatologia Médica de Manaus” de Hermenegildo, assinalam: “a temperatura em Manaus é atualmente mais elevada que outrora”, conforme as médias anuais. O que se dizia naquela época – e em 2023 pode-se dizer com mais razão e inúmeros acréscimos -, é que antes de 1909 a zona urbana da capital era menor, havia matas próximas, a cidade não possuía total calçamento e era recortada por igarapés, o que concorria para temperatura mais branda, embora levemente maior que antes de 1900. Por isso os subúrbios da Preguiça e de Flores, na madrugada, tinham temperatura mais baixa.

Torquato Tapajós (1889) foi mais direto, registrando mês a mês e apresentando estudo comparativo. De janeiro a março ele apontou a média de 25.º886; de abril a junho média de 25.º983; de julho a setembro, média de 25.º576; e, de outubro a dezembro média de 27.º693. Resultado: a média geral na capital amazonense era de 26 graus. A temperatura máxima em agosto de 1889 foi na ordem 32.º7., com ventos agradáveis.

O que não deve causar espanto aos que desde cedo aprendemos a conviver com o calor amazônico que nos abençoa, é que, agora, com a cidade cercada de prédios altos e envidraçados, todas as vias asfaltadas, raríssima arborização, matas cada vez mais distantes, espraiamento urbano distante para pobres e arranha-céu para abastados, partes da floresta estadual queimada para dar lugar a pasto, perdidos completamente os igarapés circundantes, grande número de veículos, poluição crescente do ar, perda de praças e logradouros amplos, edificações urbanas em desacordo com o clima e as características tropicais da região…, com tudo isso não deve causar espanto que a temperatura se eleve ainda mais, também porque há fatores externos que contribuem para tanto, o que sucede sob o signo das mudanças climáticas.

O certo, entretanto, é que nós também temos concorrido para esse aumento de temperatura e vamos acabar dando razão a Euclides da Cunha, ainda que muitos anos depois, pois estamos em uma Manaus em brasa crescente.

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