ROBÉRIO BRAGA – Manaus pegando fogo

 

Robério Braga

O tema escolhido para o artigo da semana não deve parecer exagero a qualquer dos poucos leitores que me honram com a atenção, alguns deles há mais de 50 anos, posto que principiei publicando na imprensa comercial em 1969, ano em que conclui o Curso de Formação de Professores do Instituto de Educação do Amazonas.

A verdade é que todos estamos sentindo, na pele, as agruras do aumento da temperatura na nossa cidade, circunstância que vem sendo atribuída às mudanças climáticas, conclusão com a qual concordo plenamente e pode ser comprovada, também, pela grave vazante dos nossos rios, agora quase transformados em pequenos canais.

Em Manaus, entretanto, além do padecimento por essa importante agravante do clima, que está generalizada mundo afora, padecemos de outros males que poderiam ter sido evitados e ainda podem ser minimizados. A esse respeito ouso propor uma reflexão aos manauenses, especialmente dirigida aos governantes citadinos de plantão (prefeito e vereadores) e aos construtores e incorporadores de imóveis, assinalando outras questões que, no meu entender, contribuem para esse calor sufocante que nos perturba a vida nos últimos anos: me refiro aos inúmeros equívocos no trato da organização e da vida urbana de Manaus a que temos sido submetidos.

Vejamos alguns desses aspectos quando cuido do “trato da organização e da vida urbana”, tal como faço em conversas de varanda ou de sala de jantar com a família ou amigos mais chegados: perdemos inúmeras praças e parques; substituímos as pedras frias de calcetamento de ruas por asfalto; trocamos as residências com pé direito, portas e janelas altas; decepamos, desnecessariamente, centenas e centenas de árvores e nos esquecemos de implantar outras; inutilizamos ou aterramos os igarapés, depois de terem virado depósito de resíduos; aumentamos, mês a mês, a frota de veículos automotores e não temos qualquer outra solução de mobilidade urbana; construímos prédios altos, com fachadas envidraçadas a refletirem o calor;  não abrimos a cidade para o rio, e no pouco espaço que ainda tínhamos com ventilação natural, começamos a criar barreiras de edifícios dificultando a circulação dos ventos; esparramamos a cidade para regiões cada vez mais distantes, mas sem qualidade de vida. E por aí fomos estabelecendo meios e modos não só de enfeiar a cidade harmônica que tínhamos até 1970 – mais ou menos – mas de torná-la quase insuportável nos dias correntes.

Como se não bastasse esse conjunto de equívocos, fruto não só da insensatez e da falta de planejamento adequado para uma cidade que sofreu e sofre uma explosão demográfica a mais crescente do País, não conseguimos dispor de outro meio de transporte coletivo que não o antigo e tradicional “ônibus”, a poluir o meio ambiente além de prestarem péssimo serviço aos usuários, faz tempo.

Agora, como vem sucedendo em inúmeras cidades por aí afora, a tudo isso soma-se a fumaceira resultante do incêndio de florestas e monturos de lixo, muitas vezes criminosamente provocados até por razões políticas e eleitorais. Estamos experimentando temperaturas jamais alcançadas, nem imaginadas por qualquer pesquisador mais audacioso dos estudos climáticos, e não seria exagero dizer-se que Manaus está pegando fogo, também pela elevação do clima político-eleitoral da campanha para a prefeitura, na qual alguns julgam que agredir os opositores pode resultar em voto na urna – mesmo que as agressões mais ferozes estejam reservadas para as redes sociais –, e se esquecem de apresentar propostas concretas para a solução de problemas reais da população.

É preciso trabalharmos duro para a reversão dessa situação de quase caos urbano em que fomos metidos.

*O autor é advogado e membro da Academia Amazonense de Letras

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