ROBÉRIO BRAGA – O barão da borracha
É costume dizer-se que havia barões ensandecidos rasgando dinheiro na Manaus da “belle époque”, queimando cédulas de alto valor para acender charutos importados, promovendo festas intermináveis nos cabarés e importando “polacas” para o prazer pessoal. Fala-se de muitos homens abastados pelo leite da seringueira enquanto grande número de miseráveis que cortavam seringa e geravam essa riqueza, pouco ou quase aparecem nas contações de histórias as quais, como o passar dos anos, vão esmaecendo na memória coletiva de uma cidade que foi transformada em verdadeira babel da desordem e da destruição no seu Centro Histórico que era rico, delicado, harmônico e elegante sob o ponto de vista arquitetônico e urbanístico.
Verdade ou não, o que contam os jornais da época, o que registram os contratos de exportação, as atas de entidades representativas do comércio e alguns livros-depoimento é que pelo menos um desses ilustres varões poderia ser chamado de barão da borracha: o banqueiro Bibier, de Londres que, em Manaus, mantinha um braço de negócios com seu sobrinho Nikolaus Witt, este que era proprietário da firma Rudolf Zietz & C.
Nikolaus, ou Nico como era tratado em família, foi dos poucos que explorou os negócios da borracha e defendeu a produção amazonense com unhas e dentes pelo Brasil e pelo exterior, por onde andava demonstrando a qualidade da nossa borracha frente ao arremedo da produção inicial do Ceilão que ameaçava destruir nosso mercado. Ele era recebido em banquetes de negócios por onde andasse e todas às vezes se manifestava visando fortalecer as exportações da região amazônica brasileira.
O sócio e amigo Zietz mantinha relação familiar com Bieber e Nico desde quando, em 1820, seus ancestrais chegaram a Salvador da Bahia e estava em um desses banquetes de negócios que foi realizado em Belém, para integrá-lo à Associação Comercial do Pará. Bastante requintado e com a presença da nata de comerciantes da região, o jantar foi aberto oficialmente pelo presidente da Associação paraense e depois por Nico, que retirou a tampa da terrina de louça inglesa que continha a sopa amazonense. Tomando a concha de prata nas mãos, ele passou a servir os convivas em pratos postos à sua frente, os quais eram levados pelos garçons para cada um dos convidados. Essa concha é que lhe foi entregue, depois, como mimo de lembrança do faustoso evento. Depois, em poucas palavras, Nico ergueu um brinde com bom champanhe, dando vivas à saúde e aos bons negócios de todos. Um “incidente” para Nico, mais uma coisa que pareceu comum entre eles, deu-se quando Nico se deparou com carne de macaco na sopa, mas isso não o tirou do plumo nem fez perder a solenidade da ocasião, muito menos a transferência de encargos que lhe foi entregue para negociar a redução dos impostos sobre a borracha Amazônia com o governo brasileiro e os banqueiros internacionais.
O maior de todos os barões da borracha, ou talvez o único que merecesse esse título, se mantinha encastelado na Europa, o barão de Gondoriz, ostentava essa posição por negócios próprios e por facilidades obtidas junto ao governo para a sua Companhia Nova União que recebia 20 réis por quilo da borracha, o que também favorecia a sua empresa sediada em Belém e que girava sob o nome de Singlehurst, Brocklehurst & Co., gerenciada pelo alemão Kantack, cônsul da Alemanha no Pará.
Bieber & Cia, de Londres, reagia a esses favores que quebravam a concorrência, mesmo que o representante do barão no Pará e Amazonas fosse o seu amigo Zietz, mas se viu impotente para vencer o barão Gondoriz, e a borracha desabou no mercado internacional e a fome grassou nos seringais.
*O autor é advogado e membro da Academia Amazonense de Letras*
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