JOSENILDO SOUZA – PL da Devastação: Um Retrocesso Inconveniente para o Brasil
O Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, representa um grave retrocesso, reacendendo na história brasileira — especialmente na Amazônia, em outros biomas e fronteiras agrícolas — as marcas da brutalidade dos conflitos por terras e recursos naturais.
Esse cenário ceifa vidas de defensores ambientais e comunidades tradicionais, que são os verdadeiros guardiões das florestas. Nomes como Chico Mendes e Dorothy Stang testemunham a violência endêmica que enfrentaram em sua luta incansável, e Marina Silva continua a sofrer ataques e ameaças por expor os perigos do “PL do Fim do Mundo”.
Mais do que uma ameaça ao meio ambiente, o PL 2159/2021 é um catalisador com potencial de intensificar exponencialmente a violência no campo. Ele agrava cenários já sangrentos em territórios indígenas e quilombolas, intensifica o racismo ambiental e aumenta o risco de contaminação do solo, lençóis freáticos, rios e peixes.
O alerta contra os riscos de ações humanas irresponsáveis foi dado no início do século XX por Rachel Carson em “Primavera Silenciosa“, que demonstra como as decisões inconsequentes podem silenciar a natureza e a vida das atuais e futuras gerações, devido às sinergias cumulativas de destruição de ecossistemas vitais.
Os recentes debates sobre o PL 2159/2021 no Senado Federal revelam uma polarização preocupante e, em muitos casos, uma desconexão com a urgência da crise climática e as implicações de longo prazo do projeto. A pressão de setores econômicos específicos parece sobrepor a responsabilidade com as futuras gerações e com o desenvolvimento sustentável do país.
A aprovação do projeto em regime de urgência, somada à falta de debate público e ao desrespeito à ciência e aos movimentos sociais, pavimenta o caminho para uma devastação ambiental sem precedentes. Isso representa um inconveniente para o Brasil, país-sede da COP30, que prometeu se colocar no centro do debate climático global.
O PL da Devastação coloca em xeque o debate da COP30. Ao flexibilizar o licenciamento ambiental, o Brasil ergue um muro de contradições gritantes que não passará despercebido.
O PL 2159/2021 apresenta uma dissonância crucial: considera que o desenvolvimento econômico do Brasil depende da desburocratização, mas, na prática, fragiliza a proteção ambiental, o desenvolvimento sustentável, as metas climáticas do Brasil, os acordos internacionais e o futuro do planeta.
Sem fiscalização e um licenciamento ambiental rigoroso, acompanhado de análise técnica de riscos e impactos, a ocorrência de desastres ambientais poderá aumentar, como visto em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ou a tragédia climática no Rio Grande do Sul (2024).
Os eventos climáticos extremos na Amazônia, que se acentuam desde 2005 e tiveram aumento de intensidade em 2010, entre 2014 e 2016 e, mais recentemente, em 2023-2024, são um alerta.
A aprovação do PL 2159/2021 abre as portas para potencializar a devastação socioambiental e econômica a médio e longo prazo, comprometendo a liderança global do Brasil frente às crises climáticas e fragilizando as bases da economia, os recursos naturais, a qualidade de vida da população e o meio ambiente.
Para um desenvolvimento verdadeiramente resiliente e inovador, é fundamental que o Brasil integre as dimensões sociais, ambientais, ecológicas, territoriais e econômicas. Essa abordagem deve permitir a integração e o empreendedorismo com impacto nas atividades da economia criativa e circular, impulsionando o desenvolvimento das comunidades.
Nesse contexto, o licenciamento ambiental é o instrumento essencial que possibilita essa integração, promovendo soluções ambientalmente sustentáveis para as gerações atuais e futuras
O PL 2159/2021 delineia um caminho que diverge drasticamente entre um futuro sustentável e a iminente devastação. Sua aprovação representa um divisor de águas na legislação ambiental brasileira, com o poder de moldar irreversivelmente o destino do país. Ignorar este PL não é apenas uma questão jurídica; é um ato de desconsideração profunda pelos alertas de Rachel Carson, Fritjof Capra, Al Gore e a vasta comunidade científica.
Mais grave ainda, seria negligenciar o sacrifício de mártires da Amazônia, como Chico Mendes e Dorothy Stang, assim como as inestimáveis lições dos povos ancestrais. Diante da urgência da COP30, PL 2159/2021 pavimenta o caminho para uma devastação ambiental, social e econômica sem precedentes no Brasil.
Um retrocesso que o país não pode aceitar, nem se dar ao luxo de ignorar. Afinal, as verdades expostas em filmes como “Uma Verdade Inconveniente”, “O Ponto de Mutação” e “Chico Mendes – O Preço da Floresta” ecoam como um lembrete contundente, antevendo que a melodia de “Lamento de Raça” poderia ressoar como o desolador lamento do PL 2159/2021, o “PL do Fim do Mundo”.
* O autor é professor da UFAM e doutorando na Universidade Federal de Pelotas. É autor do livro ‘O Desenvolvimento Sustentável na Educação Amazônica: o uso do cinema na articulação de temas transversais de desenvolvimento sustentável no ensino fundamental do município de Parintins-Amazonas-Brasil”