CARLOS SANTIAGO – Acordei cético demais

 

Carlos Santiago

Não tinha vontade de acordar.  A vida real não é tão linda como a poesia renascentista e nem perfeita quanto a canção de Chico Buarque. Ela roda, ela roda, ela roda e continua com os dilemas e problemas que hoje são tratados como respostas tolas. Viver demais traz também desesperança. Abro os olhos lentamente e vejo um olhar carinhoso, cor de mel, expressando muito amor e compaixão por mim. Percebeu que ando triste, cético e até depressivo.

Antes de abraçar e mergulhar naquele olhar amoroso, pensei o mundo, refleti sobre a vida e não encontrei explicações. A angústia rompe com a razão, um sentimento que quer acreditar em algo, em alguém e no sentido de tudo que existe, mas o mundo é complexo demais. Sigo o caminho inverso do ensinamento de Epicteto, quero controlar o mundo. A dona do olhar cor de mel só observa as minhas inquietações.

Parece que Giordano Bruno estava certo. Ele acreditava que as escrituras religiosas só alcançam os aspectos morais e éticos de modo frágil do homem. Eram incapazes de entender o cosmo, a infinitude do espaço e da existência dos mundos além do planeta Terra. Defendia a escrita de uma nova Bíblia, com a ciência reconhecida. Ele foi silenciado e queimado em nome da verdade divina. Quantas pessoas ainda morrem para superar o dogmatismo?

É possível acreditar nas leis criadas pelos humanos mesmo que sejam injustas? Haviam possibilidades reais dele fugir: recursos materiais, vontades dos discípulos e uma sentença de morte injusta, mas Sócrates resolveu cumprir o ritual imposto pela norma estabelecida pelos seus algozes. Desonra era descumprir a lei mesmo que injusta. Quantas leis injustas e movidas por desigualdades são cumpridas nos dias de hoje?

Uma das pessoas mais ricas do Estado de São Paulo faleceu. Tinha fama de trabalhador, não tirava férias, não descansava nos finais de semana, seus negócios envolviam vários setores da economia, era quase monopolista da venda de cimento e de alumínio. Construiu um império econômico. No dia do seu sepultamento, os endinheirados e várias autoridades estavam lá. O caixão desceu somente com o seu corpo e uma vestimenta. Os convidados saíram do cemitério e continuaram apressados para acumular mais riquezas.

Entorpecidos por ideologias que moldam a política e conflitos há dois Séculos, pessoas defendem ditaduras, mortes de inocentes, legitimam pobrezas e riquezas, adoram bandidos e criam heróis, dividem povos, a paixão cega e o ódio encontram confortos. Nenhum dos lados representam valores libertários e de igualdades, viraram apenas uma moeda de duas faces. Até quando o mundo vai continuar dividido por ideologias alienantes?

A preservação da vida é o que motiva o ser humano a abrir mão de sua liberdade. Em estado de natureza, o homem é egoísta, ambicioso e predador do próprio homem, dizia Thomas Hobbes. Mas, a liberdade que querem hoje é para matar, maltratar, calúnia, odiar e promover mortes.

A vida é inquietude, movida por sentimentos que precisamos controlar.  E a morte é a neutralidade, o fim, um ponto final esperado. Então, para que pensar nela, assim pensava Epicuro. Logo percebo e sinto os olhos de amor da cor do mel nos meus braços. A Minie, a minha cadelinha, quer olhar o mundo lá fora, passear para mostrar que a vida não é só ceticismo. Assim, dei um tempo ao meu ceticismo, naquele dia.

 

* O autor é Sociólogo, Cientista Político e Advogado.

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